Quais fatores contribuíram para construção de uma das personalidades mais afamadas da história e as consequências de sua existência?
"Ladrão que rouba ladrão, tem 100 anos de perdão". Não sei se você, meu caro leitor ou leitora, concorda com essa frase mas que ela se encaixa perfeitamente com o que Robin Hood nos propõe isso é um fato. Quem nunca simpatizou com essa proposta que conforta o coração da classe popular? Antes que Marx afirmasse "Se o proletariado tudo produz, a ele tudo pertence", Robin Hood bradava: "Sem impostos, sem dízimos, ninguém é rico, ninguém é pobre. Porções justas à mesa da natureza.'
Todos temos um conceito pessoal em nossa memória quando ouvimos o nome "Robin Hood", seja na infância por meio de livros para ninar, seja no cinema com filmes épicos, seja no teatro ou quaisquer métodos alternativos você tenha usado para conhecer esse nome, é quase impossível não conhecê-lo. Todos sabem a fama e síntese desse protagonista: O ladrão que rouba dos ricos e dá aos pobres. Entretanto, de onde veio, como nasceu, se foi inspirado em alguém, ( onde vive e como se alimenta... ), entre outros detalhes já é novidade para o público geral. Nesse guia, você irá compreender o plano de fundo doloroso que forjou nada mais e nada menos do que um Patrimônio.
Ilustração do livro 'Robin Hood', versão de 1820, por Walter Scott
Um Cruzado, um Nobre, um Ladrão.
Antes que essa humilde redatora comece a bombardear a cabeça de vocês, meus amados leitores, sobre os problemas que levaram a Robin Hood, é justo que eu primeiro explique quem foi Robin Hood. Bom, que tudo que é antigo demais tem versões demasiadas já é de conhecimento geral e nosso bom ladrão não escapa dessa regra.
Uma das citações mais antigas dessa figura célebre foi feita pelo autor William Langand em seu poema épico 'Piers Plowman' escrito por volta de 1377 entretanto sugere-se que lendas e contos sobre Robin existiam e circulavam pelos arredores de Langand há pelo menos 67 anos antes de seu poema, não sendo atribuído a criação do personagem à ele mas sua formalização escrita.
Uma versão famosa e creditada do conto, pertence ao escritor Howard Pyle, escrita em 1883, que o apresenta como um homem comum e azarado que se mete em uma confusão com guardas reais e acidentalmente mata um deles. Após esse desastre, Robin se torna um fora da lei e se une a um grupo de homens alegres que aceitam roubar dos nobres e dos clérigos para dar os pobres. A versão de Howard é conhecida por ser muito alegre e cheia de baladas, carregada dos costumes antigos, o que a deu muito reconhecimento e aceitação das pessoas transformando-a em a primeira opção caso queira comprar o livro. Repito: caso queira comprar o livro.
"Qual o problema com o livro?!", você está se perguntando. Com o livro não há problema algum, eu mesma acho até que muito bonito e divertido. O que acontece é que apesar de Pyle ter feito um excelente e magnífico trabalho, a versão mais famosa da história de Robin Hood não se compra e não tem crédito. Ela é de graça e para todos, afinal, que respeito moral há no lucro capital em cima da história de um homem que lutava contra os males do dinheiro? ( Nada contra você, leitor e leitora, que têm seu belíssimo exemplar de Robin Hood. É uma frase puramente filosófica, nada mais justo que os editores, impressores, revisores, tradutores, designers, entre toda a equipe que se esforçou para confeccionar sua edição receberem reconhecimento monetário pelo trabalho. Mas o personagem trás consigo esse debate, então, reflita ) A versão, não coincidentemente, mais popular da história conta que Robin, nome real 'Robin De Locksley', serviu ao Rei Ricardo como um dos cruzados e após retornar da traumática experiência da Guerra Santa, Robin é devastado com a situação que seu feudo natal se encontrava: empobrecido e miserável, consequências de abusos da coroa com o povo que havia proibido até mesmo a caça ( principal forma de se alimentar durante a era medieval ). O ex cruzado se rebela ao se sentir traído pela coroa que havia arriscado a vida para enriquecer e então começa a liderar um grupo de rebeldes para combater a tirania dos nobres e ajudar os necessitados.
Em todas as versões, Robin se apaixona por Marian, se esconde na floresta de Sherwood e maneja seu arco enquanto usa suas ilustres roupas verdes. Seja qual for a verdade, esses 4 pontos são inseparáveis dessa figura misteriosa.
Robin, Robert, Sir Foliot, Arqueiro Verde
Robert. Roberto num bom português. Como se sente com esse nome? Acha-o bonito, acha-o simples? Acha-o sem graça? Bom, esse era o nome de Robin Hood como foi apontado na investigação de Joseph Hunter, feita em 1852.
Robert Hood era um apoiador, de natureza nebulosa, do Conde de Lancaster, figura ilustre da nobreza inglesa medieval e contemporânea ( afinal, o atual "Duque de Lancaster" é nada mais do que a própria Rainha Elizabeth II ). Ambos se uniram contra as ações de João, responsável pelas campanhas de impostos abusivos, quando o Príncipe resolveu usurpar o trono do irmão, Rei Ricardo, que desapareceu durante as Cruzadas e nunca foi encontrado. (Sim, ele foi declarado morto mas ainda sim João subiu ao trono de maneira ilegal).
Em 1998, Tony Molyneux-Smith apresentou os resultados de sua investigação e dessa vez nem o sobrenome se salvou. Tony publicou um livro onde argumentava que o herói encapuzado foi Sir Robert Foliot, um nobre de família e influência pequena que usou um pseudônimo para proteger-se das retaliações da coroa. Entretanto, Tony usa como argumento embasamento em Pyle, autor renomado porém conotativo, o que reduz sua credibilidade científica.
Fato é: Ricardo e João foram antagonistas de seja lá quem foi esse ladrão.
Ricardo 'Coração de Leão' e Príncipe João 'Veneno de Víbora':
A Europa de Robin Hood
Se há uma coisa que a Europa é especialista é: a miséria. Sim, a rica e imponente Europa passou mais tempo convivendo com a pobreza do que em períodos de glória. Quando olhamos de perto, para a Inglaterra, vemos uma experiência ainda mais abrangente nessa categoria. Robin Hood é apontado ter vivido durante o período do governo do Rei Ricardo, todavia, é uma histórias com muitos murmúrios sobre. E se vamos falar de contexto dessa obra, ela se passa no período entre o século 12 ao século 13. Não surpreendentemente um período extremamente traumático para um inglês feudal.
Durante o século 12, a economia inglesa sofreu um 'boom' econômico ( no bom sentindo, é claro ). A Inglaterra estava celebrando um período de mineração abundante, agricultura farta e produção prospera. A população estava confortável e vivia economicamente bem, isso resultou no aumento da natalidade e uma consequente massiva densidade demográfica que saltou de cerca de 1 milhão e meio para 5 milhões de pessoas na época. O que é bonança de recursos para 1,5 milhões de pessoas é escassez para o quíntuplo desse grupo. Não havia espaço para moradia, a fome prevaleceu, o solo era explorado sem descanso na tentativa de saciar tantas bocas famintas e logo ficou infértil. Para complementar a tragédia, a Peste bateu à porta.
Representação do mapa da Inglaterra durante o período do século XII e século XII
Ricardo e João são tratados como 'rei bom' e 'rei mau' nas conversações tradicionalistas mas a verdade é que ambos eram negligentes. Ricardo, era obcecado com a ideia de vingar a derrota europeia diante de Saladino e quando subiu ao trono sua prioridade era dirigir outra expedição rumo a Jerusalém. Usurpar o trono de Ricardo não foi difícil para seu irmão mais novo, pois o rei era ausente. Entretanto, uma coisa é a coroa e outra coisa era trabalhar e a segunda ação não era a vocação de João, que não ficou famoso pela melhor condução governamental, inclusive foi forçado a assinar a Carta Magna, gloriosamente creditada a Ricardo, pelos seus ministros da corte. Não demorou muito para que falecesse e a Inglaterra passasse para seu filho Henrique III.
Honestamente, a Inglaterra teve uma longa leva de líderes negligentes e sem tato para a política nesse período, o resultado de um desastre político, social e natural foi o que ficou conhecido como A Revolta Camponesa de 1381, durante o governo de, não ironicamente, Ricardo II.
Quadro ilustrativo da revolta. "Crônicas", por Jean Froissart
Essa revolta eclodiu porque um oficial real, John Brampton, em plena calamidade e empobrecimento inglês, decidiu reformar uma lei de imposto, piorando-a ( o imposto encareceu, cada cabeça sem importar a idade deveria pagá-lo e a punição se tornou ainda mais rígida para quem não o pagasse ). No dia 30 de Maio de 1381, Brampton tentou forçar a população de Brentwood a pagar o imposto e não demorou para o cenário se tornar violento e sanguinário. A revolta popular foi contagiosa e não demorou muito para que o tumulto de Essex contagiasse toda a Inglaterra. Se existe plano de fundo histórico que melhor combina com os ideais e inspirações do herói dos pobres, é o cenário do Grande Levante, que inclusive não teve êxito e foi suprimido pela coroa.
Para você que realizou essa leitura até agora, pode tudo parecer uma loucura todavia não há informação aqui que seja 100% distante de você, de mim e do Contemporâneo. Esse episódio histórico, é considerado um marco para a economia inglesa e muitos o consideram como o grande ato que impediu que os absurdos monárquicos de continuarem.
Robin Hood e o Contemporâneo
Bom, agora que vimos que não foi por acaso que um ladrão que rouba dos ricos para dar aos pobres surgir pouco tempo antes de uma revolução que é resumidamente a concretização desse ideal, fica no ar no que mais esse 'espírito de ousadia' de Hood acabou desenvolvendo.
E acredite ou não, mas a resposta é: Comunismo. Claro, você, leitor e leitora já devia estar desconfiado que a resposta seria essa com todas as dicas dadas nesse texto. Mas, por favor, tenha calma antes de sair por aí dizendo que Karl Marx tinha um pôster do nosso ladrão favorito em seu quarto.
Infelizmente, não é o caso dele. Mas era o caso do escritor de fantasia moderna e ativista socialista William Morris.
Retrato de William Morris em 1887. Foi um designer têxtil, poeta, romancista, tradutor e ativista socialista. Associado ao revivalismo das artes têxteis, meios de produção tradicionais ( modelos não industriais ) e um dos responsáveis por reestabelecer o gênero de fantasia na Grã Bretanha juntamente com os ideais marxistas
Morris, acabou se inspirando em sua literatura de esquerda para louvar e engrandecer o passado medieval do Reino Unido e um dos eventos exaltados foi a Revolta dos Camponeses. A crença da diminuição dos impostos ou regularização para uma taxação justa, regulação da distribuição do capital pela população e a crítica ao desbalanceamento de renda para o Estado ou representantes dele instituídos há séculos anteriores como cantigas de camponeses que apenas soltavam aos ventos: "Não acha que seria legal se nós... sei lá... se nós roubarmos de volta o nosso dinheiro daqueles nobres nojentos? Ahahah... não diga isso para Vossa Majestade. Eu estava brincando... mas que seria legal ia ser." com o somar das centúrias se tornou o fervor instituído pela esquerda política no século 20 que trouxe o resgaste dessa filosofia no ano de ano de 1980, na direção da notória 'Dama de Ferro' Margaret Thatcher e finalmente... todo esse movimento gerou seu filho legítimo.
Um homem esquisito vestido de verde sussurra ideias no bosque.
Uma mulher de direita e a pensadores de esquerda escutaram-no.
Sinteticamente, entre 1160 e 1220 d.C havia João e logo em seguida Henrique II que cobravam impostos absurdos na velha Inglaterra. O povo, miserável criou para si, motivado pelas ações de uma figura real ou não, uma história de piedade para consigo mesmos. Nasce a encarnação da luta contra os abusos fiscais, estereotipado com um sorriso alegre, companheiros leais, coragem inabalável e uma personalidade com sede de justiça.
Representação do inglês medieval - Imagens providas pelo próprio governo britânico em seu banco de arquivos online "UK History"
Essas cantigas foram contadas de pai para filho, de geração em geração e então em 1381, quando um oficial governamental comete mais um ato de abuso governamental, durante o governo de Ricardo II, descendente de Henrique III, o povo se lembra do ser folclórico disseminado entre eles há mais de 100 anos atrás durante seus festivais e então reagiram. Mesmo que a revolta tenha sido suprimida, o governo teve consciência de que não seria fácil arrancar mais recursos dos súditos e então recuou na sua proposta.
Século 19, meados de 1800 e então a Revolução Industrial eclode e agora um camponês explorado pela coroa é substituído por um trabalhador explorado por um empresário. Os pensadores do novo ramo crítico, o Socialismo, notam essa semelhança e não demoram, por meio da figura de Morris, a resgatarem os exemplos de seus ancestrais. O grupo filosófico e político começa a agregar esses conceitos para sua 'luta de classes' e suas opiniões chegam ao Parlamento no final do século 20.
Retrato de Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, primeira mulher a chegar no posto de 'Primeira Ministra' do Reino Unido
Margaret Thatcher, líder de anos do partido conservador inglês, em 1990 acabou propondo uma lei inspirada pelos seus colegas da oposição. A lei que foi nomeada 'Poll Tax' ( 'imposto comunitário' em português ), formalizada num momento de pazes entre Direita e Esquerda política é o apogeu dos conceitos de leis fiscais informalmente defendidos pelos contos de Robin Hood.
A Poll Tax propunha que o governo central iria custear todos os gastos e investimentos das prefeituras do Reino Unido e então a cada final de mês a prefeitura dividiria o valor pago pelo governo pela quantidade de habitantes da região. Resumidamente, uma vaquinha regional.
Apesar de sim, ser uma proposta igualitária a lei foi fortemente criticada e rejeitada pela população da época. Bom, sobre porque isso acontece é justamente pela rachadura que trás a ruína ao Socialismo: igualdade trás desigualdade.
Uma coisa é dividir o valor do lanche entre você e seus amigos, outra coisa é pagar exatamente o mesmo valor que o Bill Gates pagou no lanche quando ele comeu caviar, queijo suíço e vinho enquanto você só pediu um salgado e um café. Do ponto de vista da Administração Pública, é inadmissível propor igualdade simplesmente porque temos classes sociais diferentes, etnias diferentes, gêneros diferentes, idades diferentes, setores diferentes... e todos eles carecem de necessidades, recursos e atenções próprias. O objetivo do Estado deve ser o Bem Estar Social ( 'Welfare State', conceito político do pós guerra extremamente bem estabelecido no território inglês durante o século 20) e para alcançar a meta de que todos estejam bem, primeiro deve respeitar que a oportunidade de estar bem varia de pessoa para pessoa. O Bill Gates deve pagar 500 $ em sua refeição porque ele tem condições e gostos para pedir algo caro assim. Você, por outro lado, é justo que pague seus 10 $ no máximo. Pedir 255$ para cada apenas saturaria o valor do seu pedido em mais de 200% e baratearia o custo do Bill Gates por volta de 50%. Em outras palavras, igualizar a população é um método de empobrecer os pobres e enriquecer os ricos, apenas.

'Robin Hood' na animação de 1973 da Walt Disney Studios
A tentativa de ampliação de horizontes de Thatcher custou sua reeleição, não subindo ao posto de Primeira Ministra novamente.
É, dessa vez escolher dar as mãos com o seu inimigo em pró de um consenso causou mais intrigas do que o previsto...
Robin Hood em 'Robin Hood Men in Tights' (1993)
Bom, mas tal como Hood teve de se despedir, nosso guia vai ficando por aqui... Eu sei que ele ficou um pouco extenso em comparação ao anterior ( mas me dê um desconto, afinal, estamos falando de um ícone aqui ) espero que vocês, leitores e leitoras, tenham se divertido com as curiosidades e informações dessa história maravilhosa que nasceu do boca a boca e migrou para a Arte no geral se consagrando como o conceito de valentia e justiça social que temos hoje.
Independente da sua filiação ou afiliação política, uma verdade deve ser dita: Robin Hood te impactou de alguma forma. O simples ato de que mesmo que tenha se passado 800 anos desde a primeira vez que esse nome foi citado e apenas pouco mais de 30 anos desde a última investida inspirada em seus moldes ter acontecido em sua terra natal nos prova a preciosidade que a identidade de uma cultura é. De fato, não resolvemos nossos problemas sociais em nossos tempos como ele resolveu nos dele e no cenário internacional contemporâneo a escola marxista já foi considerada refutada pelos liberais o que para muitos pode ser considerado prova do fracasso das crenças do arqueiro. Entretanto, isso seria diminuir esse personagem. Robin Hood é uma existência apartidária e eu arriscaria dizer até mesmo assistemática... não se tratava sobre 'ir contra o governo' mas sobre 'trazer o bem comum para o povo'. Em sua época, Hood decidiu se tornar um ladrão para realizar a correta distribuição de capital mas essa redatora consegue vê-lo nos dias de hoje atuando em ONGs ou discursando na ONU sobre a problemática da distribuição desigual de recursos. Afinal, não se tratava sobre roubar mas regularizar.
A verdade é que com seu carisma e alegria sempre presentes, não importa nossas classes, época ou região que vivemos, se existe o feito mais impressionante desse ladrãozinho charmoso, com absoluta certeza, foi o ato de roubar nossos corações por todos esses séculos!
Postar um comentário